14.6.11

Um manifesto sobre o que já é



Já não posso, e assim digo a todos; que não podemos almejar “o que já é”. Talvez, o meu espanto seja com a mistura de alvoroços tomados de entusiasmos plasmáticos, soberbos às relevâncias complexas do progresso e seus excessos.

Como ponto de partida:
O que já é deve ser repensado para o novo, sobre o que jamais deixará de ser, não por ser novo mas por ser vital.
O que já é antes continha-se em projeções que definidas por batalhas, dispostas e concisas através das formas, visavam uma dimensão de realidade regada pela conquista da livre e circulante composição da linguagem e agir do homens em seu ser social.
O que já é se compõe pelas imagens, que se sobrepõem ao orgânico, sem pedir licença, gritando para que os olhos se abram.

Tomar como guia norteador o vestígio do que foi, é a tarefa desse agir com transparência ácida. O cuidado com o alimento não dispensa a apreciação dos movimentos, que antes se determinavam em formas precisas, evidentes, transgressoras e latentes.

Mas e agora?

A amplidão tomou forma, o que se almejava tornou-se...!

Será possível dizer mais alguma coisa?

Talvez, se voltar aos fatos, os fenômenos, os dados, e colocarmo-nos cara a cara com o que foi....eis ai a imagem novamente. Mas cuidado! É preciso lembrar que aquilo não é exatamente a nossa realidade, aquilo fisga como compatibilidade a ânsia presente, mas a concretude passou.

As estruturas de poder e dominação continuam a reproduzir os seus prazeres, garantindo e seguindo seu fluxo contínuo em direção ao progresso, que mantém a revigoração calculada dos anseios da máquina de captura, que não dispensa seu status quo, capaz de modelar com eficiência invejável a mentalidade feliz.


A natureza mediadora entre a forma e técnica ainda mantém as condições para o vital, não importa a cor, o gesto, o espaço, a qualidade, nem ao menos o hardware ou o software.


Será possível dizer mais alguma coisa?


O que grita dentro de mim já foi dito por tantos e de diversas maneiras.


As formas para expor que passam por mim correspondem ao grito, ao conflito, ao gesto que quero externizar.


Pois bem, será possível dizer mais alguma coisa?

O que havia antes dos que vieram antes de mim, foi usado para manter a vontade de dizer, de fazer para mudar... O que já se tinha como certo. Esse complexo é um eterno retorno, tomá-lo para si é sacrifício.

O já dizível, a verdade certa, os valores estabelecidos devem agora como sempre, desde antes, ser destruídos. Mesmo que tudo seja possível novamente sobre a mesma forma, a das velhas cartilhas, em caráteres diversos eis ai... A.B.C. 1,2,3 e a língua variando outra vez.


Escolhi o NADA.


Pra variar um pouco, estabeleço 10 regras feito as de um decálogo.

(Não fugir do jogo pode se declarar um sintoma para não desmerecer a constituição do formol moral de nosso breve cristal ocidental)

*É natural pensarmos em regras na ausência declarada delas.
  1. Amar ao que constitui a associação de todas as coisas. (Aqui o necessário não é a ideia, mas a prática - matéria)
  2. Compreender a composição dos microcosmos e não relativizar as distinções.
  3. Se alimentar do decomposto, e desejar a reutilização bem dispensada.
  4. Honrar as formas viris de destruição do estabelecido.
  5. Não fugir da vontade de falar.
  6. Não se abster sobre as gloriosas falsas verdades. Visando o outro lado da imoralidade.
  7. Furtar o que é bom e reutilizá-lo.
  8. Rememorar sempre o ocorrido nos degraus lavados após o sangue derramado e o grito abafado.
  9. Buscar vivenciar a composição dual, maniqueísta, abolida pelo sensorial nas ações a serem exercidas.
  10. E jamais prezar pelo juízo inquisitor.
Sendo honesta tomo o DADÁ, e o ligo ao NIHIL, faço um rabisco em preto e branco.


Sendo forjada falo o que já foi tido: “O que resta à arte é exaltar o valor da vida,como um pedaço de natureza - A arte como a redenção do que sofre – como via de acesso a estados onde o sofrimento é querido, transfigurado, divinizado, onde o sofrimento é uma forma de grande delícia1”.
E agora deslumbrada: “O espetáculo não é um conjunto de imagens, mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens2”. Ponto final, ao que resta é voltar o olhar para o pouco, o escasso, o simplista.

O pouco dito.

O pouco visto.

O pouco compreendido.

Obs.: Para tanto a tarefa é simples, a linha pode tomar inúmeras formas com a guerra e suas infindáveis esferas, com a fome e as formidáveis misérias, com ausência e sua farta postura para transvalorações. A minha posição fica com o que resta, talvez como para os existencialistas conceber “a escolha” seja a única tomada de liberdade e consciência , assim como eles o que chamo de ponto de partida, ao partir do o que já é, seja o destino da própria escolha para onde olhar e o que seguir. Assim dizia Sartre: “Escolher ser isto ou aquilo é afirmar, concomitantemente, o valor do que estamos escolhendo – escolhendo-me escolho o homem”. E é através das escolhas que o homem faz história e é a própria história.



1 NIETZSCHE, Humano Demasiado Humano – O Eterno Retorno 
2 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo

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