27.9.11

A escada que não existe



Dê-me um cigarro
Diz a gramática
Do professor e do aluno
E do mulato sabido
Mas o bom negro e o bom branco
Da Nação Brasileira
Dizem todos os dias
Deixa disso camarada
Me dá um cigarro
- Oswald de Andrade

Nos últimos tempos, a ala conservadora encontra-se mal das pernas. Não possui teóricos fortes, e não sabe como criticar de maneira construtiva os inúmeros pensadores contemporâneos de esquerda. Levada às últimas baseia-se nos piores argumentos – argumentos podres, infantis e ofensivos – para desmoralizar e destruir textos que não conseguem produzir, pois percebem que sua base teórica está velha, e começa a cheirar mal. Dentro destes argumentos, um tem sido mais latente, o da importância gramatical para uma produção textual de qualidade.

Não é raro, ao entrar em blogues de personalidades como Reinaldo Azevedo e Diogo Mainardi – colunistas da revista Veja – ver críticas a figuras como Emir Sader, de importância acadêmica incontestável, baseadas no “mau” uso do português. Há artigos onde o escracham destrinchando o texto para uma análise gramatical, sem nem levar em conta o conteúdo do texto. Para mim, uma ferramenta elitista e porca digna de Olavo de Carvalho – que por sinal faz a mesma coisa.



Escavando a minha memória, percebi uma semelhança interessante entre essas análises e o antigo discurso de minha mãe: “Aprenda bem o português, pois isso te fará subir na vida”. Pensando muito, cheguei a um conceito interessante sobre essa relação: os dois se encaixam no que podemos chamar de “discurso elitista vulgar”.

Vamos dividir o conceito para entendermos:

- Chamo de discurso elitista, pois é feito de cima para baixo, glorificando a elite e mostrando como ela “é um espelho para todos nós” – que não fazemos parte dela;

- Vulgar – aqui está a chave do conceito – porque a própria elite não compra esse discurso; não compra porque ela sabe que falar o “bom português”, vestir-se “bem”, portar-se de maneira “adequada” não fará a pessoa ascender socialmente. NUNCA. A força desse argumento está na criação de uma falsa esperança – moralista – nas classes mais baixas de que um dia é possível ser rico. É fácil observar como a loteria utiliza da mesma maneira esse discurso.

A Elite não compra, mas é quem cria e reproduz. Isso é ideologia, e não somente no sentido mais comum, mas também no sentido marxista de inversão da realidade, pois fica evidente que se cria a relação: se falar “corretamente” o português, logo estou no caminho certo de ser rico. 

Mas sabemos que a relação se dá de maneira onde os ricos têm condições de colocar seus filhos nas escolas particulares com altas mensalidades, de pagar cursos e mais cursos de idiomas, viagens e estudos em universidades do exterior. Não é de se surpreender que estes tenham pleno conhecimento do uso da linguagem culta.

Já que tais colunistas possuem tanto conhecimento, deveriam ler O Capital, para entender como seus estudos são financiados e o porquê de nunca se tocar no assunto dos “famosos” meios-de-produção. Talvez o questionamento da realidade seja desafiador demais para esses “vigilantes da Gramática”. Afinal, é mais fácil corrigir “erros” de concordância que buscar o porquê de muitos não terem sequer um prato de comida.

5 comentários:

Aline Paiva disse...

Concordo plenamente com o Yuri, é mais uma artimanha de exclusão social (vide comentário que publicarei a baixo com relação ao texto).

O “direitismo conservador” mantém o posicionamento e ergue a voz ao dizer que pregam a IGUALDADE, pois eu me questiono: Como pregar a igualdade a partir da exclusão de exclusão social? Se há igualdade entre os indivíduos em que a gramática os diferenciam?

Aqui está um trecho do comentário de um “direitista-conservador” que obtive com a apresentação do texto:

“O texto é uma piada sem vergonha cheia de clichês, tá abaixo da crítica, o sujeito não apresenta nada a não chavões pré-históricos. apresentar uma refutação de Hayek, Mises, Rothbard, Leo Strauss etc.? Refutar as elites sem nomear é fácil...”.

Bom, o meu questionamento continua sem resposta.

Com relação ao blog, acho uma iniciativa fantástica onde há possibilidade dessa mescla (como o próprio título do blog sugere), onde os temas são abordados de uma forma clara e direta, essa dialética que há entre os colaboradores e dos que compartilham do conhecimento do blog é incrível. Mesmo sem um lastro “acadêmico” há essa interação.

Cultivo um grande apreço pela iniciativa do blog e as questões que aqui são levantadas, espero poder em breve ver novidades.

Até!

Yuri Werner disse...

Aline,

Muito obrigado pelo comentário.
Sobre seus pontos:

- O blogue não pretende ter realmente um lastro acadêmico visto que são textos curtos e voltados para compreensão de todos das ideias aqui expostas. Não vejo o porque de citar uma bibliografia, já que NÃO é um artigo acadêmico muito menos uma tese.

- Conheço a fragilidade do texto, pela falta de estrutura em alguns pontos, fruto também de uma particular dificuldade de redação.

- Sobre as críticas, acho que faltou um pouco de sensibilidade, por se tratar de um professor da área que pretendo estudar. Certamente não tenho o conteúdo e as leituras que ele tem.

Para finalizar, sugiro que além de participar comentando, envie um texto para nós. Sei que escreve poemas e seriam muito bem vindos.

Até mais ver.

Thiago Consiglio disse...

Olá,

Quanto a proposta do blog de sentido colaborativo eu acho que ambos estão corretos. A ideia de colaborativo vai se ligar com a ideia de democratização tanto da produção quanto da informação, mas também com esse público que pode aparecer, pode ser que fique "mais exigente".

O seu texto Yuri eu acho bacana e como sempre vemos, serve para dar pontapés em discussões. Não existe uma dissertação que você vai defender e evitar ser livre de refutações, isso a gente deixa para as bancas acadêmicas e a discussão pautada nos livros e nas dedicações.

Aqui estamos voltados à uma necessidade que também condiz com o contemporâneo que vemos na sociedade.
Podem me apontar que existem jovens que estudam e que se dedicam a discutir coisas significativas, mas se a gente for desconsiderar os que não fazem, que é a grande maioria, estaremos praticando uma certa limitação na visão de mundo deles e a intenção é incentivar a procura de perguntas e respostas novas que podem levar esse a se aprofundar.

Eu sou de valorizar aqueles que são poucos na sociedade, que são aqueles que se dedicam e utilizam seu tempo para produções, para discussões que podem levar a pontos positivos. Eu sei que o resto não estuda e nem discute - ou ainda quando finge que estuda - mas não é por isso que vou desconsiderá-los. Vou propor a discussão e assim trabalhar a dialética, vou ser ativo e não passivo.

Rainer disse...

Olá! Por divulgação do Thiago e da Débora, vez ou outra poraquí passo as vistas. E desta vez, como não é de meu costume, desejei intervir "comentadamente" e lhe indagar, Yuri, duas ou três lembranças duvidosas.

Você acusa e reifica uma "elite" específica não pontuada de pedantismo; mas, oras, eu lhe perguntaria se o grafocentrismo não é um "rolo compressor" primeiro às essas "questões de método" (como escrever tais proposições, onde escrever tais proposições). Para quem escrevem? Com o que escrevem, Yuri? Os meios-de-produção se tornam grandes fins atrelados a uma "cosmologia da mercadoria" (ou, até, um estetocentrismo [estética de consumo]) quando assim evocados; pensar "de outro modo", é simplesmente se apaixonar perdidamente pelos binarismos ao invés de se confundir com a irredução dos múltiplos? Pois existem mesmo as margem? Margens pra quem?
Deixemos o velho Marx com sua glória alfinetante; se a "direita" exala putrefação teórica, a esquerda, peço-lhe perdão, exala potência-eurocentrismo. Se a pretensão é pensar a vida de pessoas, não é um modelo, mesmo a embalsamada dialética, o fornecedor de lufadas justas com o que a carne, os ossos e o twitter, que é tão carnal quanto, compromentem-se indissociar.
Reduzindo tudo ao "bomXruim", "massaXelite" e afins, não é, de forma alguma, perverter a lógica e a classificação, ainda que o discurso se enverede aqui na "liberdade". Pensar o movimento, conceber pessoas-gentes sujeitos ao invés de "indivíduoXsociedade"/"naturezaXcultura" é muito mais complicado. Afinal não se trata de redução ou revelação, assim como o aparece acolá o fetiche-mercadoria/meios-de-produção. Eles não são um fato, muito menos um dado se pensarmos gentes querendo-ir-embora-para-tomar-um-chá-de-boldo encima de tornos mecânicos, um guarda de shopping escapulindo de sua ronda para atender um celular. Chegar às coisas mesmas é um exercício de desterritorialização e descolonização de pensamento; não concordo, e desconfio, dos ataques à academia. Existem gentes-coisas interessantíssimas acontecendo nela e é nela que alguns embriões infernais têm conseguido asilo da intolerância sumária. É na academia, por exemplo, que é possível tratar do PCC não como patologia, mas como movimentos (no sentido vetorial) de associações hierarquizantes em fluxos casuais. Onde mais poder-se-ia pensá-lo assim? Onde poder-se ia falar de Biopolítica sem que o dito "Estado" (que também há dúvida de sua existência unitária), como assim fez Foucault, rancasse-lhe a cabeça? Os universais são perversos, Yuri. Eles não compreendem se não a si e nada que não os circunscrevam merece piedade. E a universidade é sim, discordo furiosamente de vocês, um locus possível de singulares irredutíveis. O marxismo não resolve o mundo, a dialética não compreende o que não é dialético e temo que a vida animada e inanimada (sujeitos/objetos) não se reduza a movimentos de pares-constrastantes e resultantes sintéticos.
Desconfiar é maravilhosamente trabalho e, talvez por isso, seja de um sabor irrepetido a cada esforço...

Inté;

Francisco Razzo disse...

Caros

Aline. Tudo bem? Preciso apontar um equivoco seu:

"direitismo conservador” mantém o posicionamento e ergue a voz ao dizer que pregam a IGUALDADE, pois eu me questiono: Como pregar a igualdade a partir da exclusão de exclusão social? Se há igualdade entre os indivíduos em que a gramática os diferenciam?

Primeiro, você criou um espantalho aqui com essa afirmação de que "direitista conservador" mantém o posicionamento da igualdade. O liberal-conservador não é bem isso, minha querida! Ou melhor, não é nada disso!

Há dois valores fundamentais para um liberal-conservador, pode ter certeza que nenhum deles é a igualdade. O primeiro valor fundamental é o da liberdade e o segundo é o da prudência.

O primeiro é um princípio evidente da própria maneira de ser do homem, o segundo uma "orientação de conduta". Enfim, precisar saber mais disso, só ler Russell Kirk, Babbitt ou Oakeshott.

Sabe, acho interessante, sinceramente, a facilidade de se construir um raciocínio a partir de pressupostos que se desconhece. O que pensa realmente um "liberal-conservador"?

É o mesmo espantalho criado pelo autor do texto quando diz:

Nos últimos tempos, a ala conservadora encontra-se mal das pernas. Não possui teóricos fortes, e não sabe como criticar de maneira construtiva os inúmeros pensadores contemporâneos de esquerda.

Veja, não é uma questão de "discussão acadêmica", é de honestidade intelectual, ou pura ingenuidade mesmo. Claro, diz que pensamento conservador não possui teóricos fortes, mas quantos teóricos do "movimento conservador" ele leu ou ao menos conhece?

O fato de "a ala conservadora encontrar-se mal das pernas", para o autor só significa duas coisas!

i-Não possuí teóricos fortes,

ii-Não sabe criar de maneira construtiva os inúmeros pensadores contemporâneos de esquerda.

A primeira premissa ele não demonstra! Exemplo típico de pura evidência anedótica! Conseqüentemente, a segunda não tem validade!

O resto do texto nem vale o esforço, uma vez demonstrado que o pressuposto é fruto de pura imaginação!

Com todo respeito, caro Yuri.
Att
Francisco